40 mil em Portugal- Notícia Correio da Manhã
Expressões como "o gato comeu-te a língua" ou "ter o rei na barriga". Metáforas, anedotas e entoações. O contacto olhos nos olhos. Expressões faciais de medo, de alegria ou espanto. O que para a maioria das pessoas é evidente e lógico pode gerar algumas confusões e equívocos a quem sofre de Síndrome de Asperger (SA).
Os ‘aspies’ – nome atribuído aos pacientes – traduzem as palavras de forma literal e são adversos à mudança. Querem ser sociáveis mas tendem a limitar a conversa a temas em que se sentem confortáveis, tais como aviões, comboios, semáforos, planetas e colecções, independentemente do interesse dos ouvintes. São hipersensíveis a sons e ruídos altos e extremamente honestos. O que representa um problema de comunicação e socialização. Para comunicar com um ‘aspie’ deve-se recorrer a frases curtas, precisas e concisas.
O Síndrome de Asperger é uma perturbação dentro do espectro do autismo que se traduz por alterações na interacção social, no uso da linguagem para a comunicação e restrição de interesses. Afecta crianças e adultos e é mais comum nos homens. É uma doença congénita, não tem cura mas o diagnóstico precoce ajuda a melhorar as competências sociais e comunicativas. Em Portugal, estima-se que cerca de quarenta mil pessoas sofram de Asperger.
O neuropediatra Nuno Lobo Antunes recorda o dia em que foi contactado por uma mãe que estranhou o facto de o filho, no berço, evitar o contacto visual e centrar a sua atenção na pulseira. Normalmente os pais percebem que os filhos são diferentes pela dificuldade de integração na sociedade e na escola, explica o especialista. Contudo, este síndrome ainda é desconhecido por muitos técnicos da área da saúde e muitas vezes é confundido com a hiperactividade ou com o défice de atenção, o que dificulta o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento.
Esta incompreensão é partilhada pela sociedade em geral, e o doente de Asperger é discriminado e vítima de agressões verbais e físicas, sobretudo no caso das crianças. Há por isso tendência para a solidão e para o isolamento.
"PORTADOR DE ASPERGER PODE TER VIDA NORMAL": Carla Almeida, Terapeuta de Educação Especial e Reabilitação
Correio da Manhã – Quais as causas do Síndrome de Asperger?
Carla Almeida – As causas do Asperger são desconhecidas, existem muitas dúvidas e já foram realizados vários estudos nesse âmbito. Mas existe uma forte componente genética.
– Como é o tratamento?
– O tipo de tratamento depende da idade. Tem uma vertente individual em que se desenvolvem, de uma forma lúdica e em função dos interesses das crianças, as competências sociais dos pacientes. A experiência de grupo completa o tratamento. Em grupos de quatro pessoas trabalha--se a vertente comunicativa.
– É possível ter uma vida normal?
– Sim, um portador de Asperger pode ter um percurso escolar normal e tirar um curso superior, desde que a sociedade respeite os seus interesses e rentabilize as suas potencialidades.
– Qual a diferença entre Asperger e Autismo?
– No autismo pode haver um défice cognitivo (intelectual). Os doentes que sofrem de Asperger têm uma inteligência média ou, por vezes, acima da média. A outra diferença é a nível da linguagem. Os ‘aspies’ têm um vocabulário cuidado e rico, já os autistas apresentam um atraso na linguagem.
MÉTODO 'SON-RISE' EM PORTUGAL
O método ‘son-rise’, que já existe nos Estados Unidos há várias décadas, chegou finalmente a Portugal. E promete dar uma nova abordagem no tratamento do Síndrome de Asperger. Centrado na relação entre as pessoas, este método ensina a criar e a implementar programas e acções centradas nas crianças. A ideia é evitar que a criança se disperse, fornecendo-lhe estímulos para que ela se concentre na relação com o outro, seja através da fala, do olhar, do toque ou da brincadeira. De uma maneira lúdica e dinâmica, desenvolvem-se as aptidões sociais, emocionais e cognitivas das crianças ‘aspie’.
"SOCIEDADE NÃO ACEITA"
Um postal de Natal com um grafismo "pouco adulto" alertou para um problema que já se arrastava desde a infância. Os gémeos António e Pedro (nomes fictícios) eram crianças hiperactivas, precoces e bem-dispostas. Tinham um percurso regular e bom desenvolvimento. O que não levantou suspeitas. O diagnóstico foi conhecido aos 33 anos, após o alerta de uma psiquiatra amiga da família. Os gémeos tinham Síndrome de Asperger. Nesse momento, as obsessões, a vida recatada e o pouco empenho em procurar emprego fizeram sentido. A notícia caiu como uma bomba no seio familiar, que desconhecia esta patologia. "Comecei a aprender, frequentei colóquios e reuniões", diz a mãe, acrescentando que "a sociedade não está preparada para aceitar e colaborar com a diferença". Hoje com 40 anos, os gémeos recordam o momento em que foram confrontados com o diagnóstico. "Entrei naquele consultório de uma maneira e saí igual", constatou António. Já ‘Pedro assegura que "não foi difícil", porque sempre se foi mantendo informado sobre o Asperger.