Nuno, de quatro anos, é diferente. À primeira vista nada deixa advinhar que é uma criança autista, mas depois de uma primeira tentativa de diálogo as dúvidas ficam dissipadas. Rui tem 18 anos e, também, é autista, mas os sinais são já evidentes. Não fala, não come pela própria mão, baba-se, usa fraldas e comunica através de ruídos ‘estranhos’.
Como Nuno e Rui (nomes fictícios) existem muitas pessoas autistas em Portugal, apesar de não haver estatísticas e os responsáveis temerem que alguns estão “escondidos, desprotegidos e excluídos da sociedade”.
Esta síndrome comportamental atinge milhares de pessoas. Em Portugal não se sabe ao certo quantos autistas existem. No distrito de Braga pensa-se que a prevalência seja de 280 pessoas. E para dar resposta aos casos de autismo verificados no distrito nasceu em Outubro de 2007 o núcleo de Braga da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA), com sede em Palmeira.
A APPDA tem como missão principal apoiar pessoas com perturbações do desenvolvimento do espectro autista (PEA), de todos os grupos etários, criando e gerindo as estruturas necessárias para as apoiar, pautando a sua actuação pelo respeito dos direitos consignados na ‘Carta para as pessoas com autismo’.
“Após um grupo de pais ter iniciado uma série de reuniões de ‘Partilhas’ no Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital S. Marcos e tendo-se constatado os inúmeros problemas relacionados com a falta de apoios aos pais e consequentemente aos autista do distrito deu-se início ao projecto sendo eleito um grupo coordenador com o objectivo de avançar”, lembraram ao ‘Correio do Minho’ dois elementos da equipa coordenadora, Francisco Veiga e Ana Paula Leite, pais de uma menina autista.
Terapia para os filhos e ‘partilhas’ para os pais
Depois de diversos contactos com a direcção da APPDA- Norte, sediada em Vila Nova de Gaia, “para prestar o apoio necessário, dado que possuem know-how desejado, o núcleo começou a dar os primeiros passos”, salientou Ana Paula Leite. E atirou: “não havia nada no distrito e era preciso ajudar os autistas e os familiares mais próximos”.
Neste momento, o núcleo, que ocupa as instalações da antiga escola do Assento, na freguesia de Palmeira, tem disponível apoio com terapias da fala e ocupacional e psicologia. “Neste momento temos 13 crianças a receber apoio especializado. Adaptou-se uma sala para as crianças terem terapia da fala, tera- pia ocupacional e psicologia. Estas crianças que sofrem de autismo frequentam os jardins de infância e escolas do dito ‘ensino normal’”, contou aquela responsável.
O drama vivido pelos pais familiares dos doentes autistas é “impossível” de descrever. As mãos tremem quando se sabe o diagnóstico. Os pais correm hospitais, ouvem ‘falsos’ diagnósticos. A única certeza que têm é que a doença não tem cura. E, a partir daí, vem primeiro a negação, depois a raiva e a pergunta: “Porquê o meu filho?”.
“Lidar com um autista tem dias melhores e dias piores”, desaba- fou Ana, admitindo que “não é fácil, mas a partir do momento que se tem o diagnóstico é preciso arregaçar as mangas e fazer tudo pelo filho”.
Para além das sessões terapêuticas, na primeira sexta-feira de da mês realiza-se uma reunião com os pais no núcleo da associação. “É o que chamamos ‘Partilhas’. Neste encontro, os pais falam o que lhes vai na alma. Todos temos em comum o mesmo problema: o autismo. E, por isso, falamos todos a mesma linguagem. Desta forma conseguimos mostrar aos pais que não estão sozinhos e sentimo-nos mais seguros”, confidenciou o casal. Todos os pais aproveitam para “trocar experiências, apesar de não haver casos iguais”, evidenciam Francisco e Ana Paula, acreditando que “ao ouvir falar os pais de um jovem adulto, já se está a preparar os pais de crian- ças mais pequenas para o que vem aí”.
Alguns miúdos, explicou Ana Paula Leite, “conseguem chegar a uma autonomia muito boa e a intervenção precoce é fundamental, quanto mais cedo for identificado o problema, mais trabalho se pode fazer para criança ter mais autonomia”.
APPDA-NÚCLEO DE BRAGA: Construção de centro de actividades é urgente
Trabalhar na intervenção precoce e a construção do Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) são os próximos passos que o núcleo de Braga da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) quer dar. “Pelas nossas contas daqui a dois meses esperamos estar constituídos como associação e, a partir daí, é que podemos andar para a frente com os projectos”, acredita Francisco Veiga, elemento da equipa coordenadora do núcleo de Braga.
Neste momento, o núcleo de Braga, continua dependente da APPDA- Norte, em Vila Nova de Gaia. “Estamos a tratar da constituição da associação para começar a caminhar no sentido de ter um CAO com todas as condições. Temos esperança que a sociedade consiga perceber o objectivo do projecto. Mais vale devagar e dar passos seguros”, sublinhou, ainda, aquele responsável.
O CAO vai “ajudar muitas crianças e jovens, porque, a partir do momento que acaba a escolaridade mínima obrigatória, a maior parte não tem condições de prosseguir os estudos. A partir daí, os pais têm sorte e até arranjam uma instituição que fique com os filhos ou, então, têm que ficar com eles em casa, porque a maior parte dos autistas não tem uma vida autónoma e normal”, referiu, por sua vez, Ana Paula Leite, pertencente, também, à equipa coordenadora do núcleo.
Depois dos pais saberem o diagnóstico, aparecem no núcleo para saberem se existe CAO ou residência. A resposta é negativa e os responsáveis do núcleo acabam por “perder-lhes o rasto”. Por isso, “é urgente a construção do CAO, porque as famílias não têm onde deixar os filhos”, apelam aqueles responsáveis.
O apoio dado pela Junta de Freguesia de Palmeira e pela Câmara Municipal de Braga na cedência do espaço, onde funciona a actual sede, deixa “gratos” os pais das pessoas autistas. Mas querem mais. “Há uma promessa de cedência do terreno ao lado da sede, onde está o recinto desportivo, para, eventualmente, instalar o CAO”, atirou Francisco Veiga. E foi mais longe: “vamos, também, trabalhar para obter, junto dos serviços da empresa municipal, apartamentos para funcionar como apoio de rectaguarda para os pais”, justificando que se está a falar “de pessoas que têm um tempo de vida como qualquer ser normal e há situações graves, porque são pessoas que não têm autonomia, nem para fazer a higiene pessoal. Enquanto são crianças é mais fácil, quando chegam a adultos a situação torna-se muito mais complicada”.
O núcleo pretende, ainda, proceder às adaptações e modificações no edifício-sede para a criação de uma valência de intervenção precoce para a qual está a tentar arranjar mecenas. Continuar a funcionar como gabinete, oferecendo serviços nas áreas da psicologia, terapia ocupacional e terapia da fala, para os quais estão acreditados junto da Segurança Social, é outra das pretensões do núcleo.
No passado mês de Julho, os responsáveis do núcleo de Braga da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) promoveram um ATL de férias para as crianças e jovens que sofrem daquela doença. Um risco que valeu a pena correr, até porque não é fácil lidar com pessoas que sofrem desta doença.
“Não foi fácil conseguir manter os mais pequenos ocupados. Na primeira quinzena tivemos cinco participantes e na segunda foram seis e para ajudar na organização das inúmeras actividades contamos com a preciosa ajuda de estudantes voluntárias do ISAVE”, contou Francisco Veiga, um dos responsáveis do núcleo.
Entre uma visita à Quinta Pedagógica, as crianças e jovens fizeram alguns passeios e na sede do núcleo realizaram algumas actividades, nomeadamente, tra- taram de uma horta. Além disso, fizemos um convívio no fim-de-semana com os pais.
As instalações que existem em Palmeira “chegam para as necessidades das 13 crianças (de Braga, Póvoa de Lanhoso, Famalicão, Guimarães e Vila Verde) que recebem apoio”.
Investir em acções de divulga- ção e informação, promover e dar continuidade às reuniões de ‘partilhas’ e realizar convívios entre os associados e amigos das famílias com pessoas autistas são actividades que o núcleo pretende continuar a fazer. “É preciso orientar e dar informa- ção aos pais, porque são confrontados com um problema e não sabem o que fazer”, justificou aquele responsável, lembrando que este ATL foi “muito importante”, porque chega-se a esta altura e as escolas fecham e ninguém fica com as crianças.
segunda-feira, agosto 10, 2009
O desconhecido mundo do autismo
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